domingo, 22 de junho de 2014

Post Na Pracinha (texto 26)


Terça-feira, 2 de abril de 2013

Dia azul

Era 2 de abril de 2011 e o diagnóstico de autismo do Luca tinha entrado na nossa vida havia menos de dois meses. Eu me lembro que estávamos indo para a festinha de aniversário do Pedro, filho de uma amiga do coração hoje, a Ju, em Botafogo. Tinha acabado de escurecer. Eu ainda não conhecia as mães daquela festa. Mães que depois se tornaram grandes amigas minhas... Ele era coleguinha do Thiago, em uma escola nova. Era a primeira festa da turma. Não conhecia ninguém. E era o nosso primeiro evento social depois do diagnóstico. Naquela época, eu achava que não tínhamos muito motivo para comemorar a vida… Mas resolvemos ir assim mesmo.

Era um sábado. Viramos o carro na rua São Clemente e lá estava ele, lindo como sempre, imponente, com os braços abertos, acolhedor, sagrado, de tirar o fôlego. E azul!!!! O Cristo Redentor é maravilhoso na visão que se tem do início da rua São Clemente, uma das principais ruas de Botafogo, na zona sul do Rio. E eu nem me toquei que ele estava azul por que era o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Nessa época, eu mal conseguia falar a palavra "autismo" em voz alta.

Um ano depois, 2 de abril de 2012, eu escrevia o meu primeiro texto no site Na Pracinha. Era um testemunho sobre o que era para mim ser mãe especial. Uma descrição desse novo mundo. Depois de um ano muito doloroso, de compreensão, de mergulho nesse novo mundo, eu estava pronta para escrever. Eu, que sempre escrevi sobre tantas coisas, passei um ano reclusa, sem conseguir falar no assunto.

Escrever minhas experiências com o Luca nesse último ano e o dia a dia da minha família nesse espaço maravilhoso e nas redes sociais foi uma catarse e é até hoje. Chorava várias vezes enquanto digitava. Reabria feridas para - só agora vejo isso - fechá-las de maneira serena, saudável, sem a mágoa, o rancor e a desesperança que a gente carrega no início do diagnóstico. As lágrimas que escorriam pelo rosto lavavam a minha alma. E lavam até hoje.

A Patrícia de 2 de abril de 2013 é muito diferente da de 2011. E o Luca também. Naquele 2 de abril de 2011, ele era não-verbal. Fazia birras homéricas, se jogava no chão, gritava, não se comunicava, não olhava, não respondia, não interagia. Era hiperativo, não parava quieto. Não se concentrava. Tudo o que eu queria naquela época era que ele falasse e voltasse a me chamar de "mamãe". Que ele voltasse a falar "papai".

A Patrícia de hoje é mais informada. E mais conformada. Mais paciente e mais calma. Ainda sou um furacão. Mas, aprendi a canalizar essa força para as coisas produtivas. Aprendi quais as brigas devo comprar e que o autismo não é mais um inimigo. Como pode ser? Ele faz parte do meu filho… Eu preciso é entendê-lo para poder entender o Luca.

O Luca de 2013 ainda é hiperativo, ainda tem dificuldades de se comunicar e de interagir. Se concentra pouco. Mas já fala, identifica as letras e escreve o próprio nome. Se, em 2011, o desafio é saber se ele iria um dia falar, o desafio de agora é saber se um dia ele vai ser alfabetizado… E é assim, nossa vida de mãe especial: vencer desafios.

Hoje cedo, antes de vir trabalhar, revirei meu guarda-roupa em busca de uma blusa azul. Como boa atleticana, não tenho lá muitas roupas azuis. Encontrei uma antiga, meio velhinha, meio apertada… Deixei de saber! Botei um cinto, um salto alto, um brincão de argola, um batom bem bonito e um sorriso no rosto e cá estou eu, de azul, para lembrar, não para os outros, mas para mim mesma, que lutar pelos diferentes é e sempre será parte importante da minha vida.

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Post Na Pracinha (texto 25)




terça-feira, 26 de março de 2013

 "Mãe, consegui"

Luca escrevendo o nome, fazendo o dever de casa e brinquedos de faz de conta, de imaginação... esse domingo foi de revelações para mim. E se tem uma coisa que essa vida de mãe especial me ensinou é que existem dias bons e ruins. Que não devemos cair nos ruins. Nem nos sentir auto suficientes demais nos bons.

Eu choro e me chateio com os dias ruins, aqueles dias em que ele está tão agitado, tão acelerado, que não se concentra para fazer as coisinhas na escola e os deveres em casa. Não responde as minhas perguntas e não fixa o olhar. Parece estar em rotação mil. E está mesmo. É a tal da hiperatividade. Nesses dias, eu temo pelo futuro e questiono minha fé, minhas crenças, minha rotina com ele, meu papel de mãe.

Mas aí me lembro que chorar não adianta nada e já penso pra frente, no que eu posso fazer para melhorar... E, como dizia a minha avó, o que não tem remédio, remediado está. Se não for o tempo de ele fazer algumas coisas que outras crianças de 4 anos já fazem, não é, e pronto.

Tem dias que ele joga o lápis no chão e diz que não vai fazer o dever. E tem dias que ele faz tudo e até os deveres extras, as folhas avulsas que eu imprimo com atividades para ele e o Thiago (o meu outro filho, de 6 anos) fazerem. E entende o proposto e me abraça quando eu dou parabéns pelo trabalinho feito.

Domingo, fomos ao cinema e depois de muuuuito tempo, o Luca ficou a sessão inteira. Voou boa parte do tempo, subiu e desceu as escadarias do cinema sabe Deus quantas vezes, as pessoas olhavam, achavam um absurdo eu deixar uma criança correndo na escuridão do cinema com risco de cair. Nessas horas, a mãe é sempre julgada. É a mãe que não dá limite, que não se impõe….

De vez quando, ele parava e prestava atenção numa cena ou outra e ria junto com a plateia. Isso para mim é o máximo: ele entendeu a "piada" e riu. Eu não assistia ao filme. Assistia ao Luca assistindo ao filme. Na hora dos efeitos especiais, com o som muito alto, colocava as mãos nos ouvidos. O semblante é de dor. Olhava outra cena e empilhava as almofadas que a gente coloca no assento das crianças lá na frente, na primeira fileira. E assim foram quase duas horas de "Os Croods".

Para mim, houve um ganho em tudo isso. Pelo menos, dessa vez ele não fez escândalo para sair, como costuma ser. Normalmente, eu saio com ele do cinema e o Thiago fica com outra mãe de um amiguinho - eu nunca vou ao cinema sozinha, porque sei que é grande a chance disso acontecer.

Ao sair da sala, ele veio correndo em minha direção e perguntei se tinha gostado. A resposta acabou comigo. Luca respondeu: "Mãe, consegui!", com as duas mãozinhas fechadas, comemorando, olha fixo no meu olho, sorriso no rosto. E me abraçou. Foi um soco no estômago. Isso me deu a prova de que ele se esforça para ser "normal". Me mostrou que ele tem noção de que a gente cria uma expectativa sobre o seu comportamento, que ele quer fazer o que se espera, mas simplesmente ainda não dá conta.

Ele não dá conta, nesse momento, de ficar duas horas sentado, vendo uma animação. Tenho raiva de mim mesma quando fico assim e esqueço que ele tem o seu tempo.

Esse "mãe, consegui" martelou na minha cabeça o resto da noite. Fui dormir 3h da manhã. Até que ponto ele tem consciência? O quanto ele absorve à sua volta, o que ele pensa, o que ele entende? Perguntas difíceis, com respostas que eu só posso imaginar. De vez em quando o Luca me dá pistas de que está mais presente do que eu posso supor, como dessa vez. De vez em quando levo um tapa na cara como esse, para me fazer acordar. Para me lembrar que o cérebro é um mistério, e que você não deve NUNCA subestimar o seu filho. Você conseguiu sim, Luca. E ainda vai conseguir muitas outras coisas na vida. Conte com a mamãe. Sempre.

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Post Na Pracinha (texto 24)

Segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Mediadora, a "camisa 9" do seu time!


Definir a escola e uma mediadora. Fim de janeiro é um tempo de definições importantes na vida dos nossos filhotes especiais. Graças a Deus, já passei pelo pesadelo de encontrar um colégio disposto a fazer inclusão com o Luca. Mas, de setembro até dezembro do ano passado, foram muitos “nãos”, desculpas evasivas, vagas que sumiram... dá angústia só de lembrar. Agora, estou no momento de definir uma mediadora. Tarefa igualmente difícil. Primeiro, faltam profissionais boas no mercado. Segundo, justamente por isso, elas não saem barato para os nossos bolsos, já tão atolados com contas de terapia, neurologistas, tratamento biomédico, aulas de esporte, lazer...

Não que elas estejam pedindo muito. O valor final, entre carteira assinada e passagem, fica em média entre R$ 1.000 e R$ 1.800, pelo menos aqui no Rio de Janeiro. O trabalho vale, afinal de contas, sem ela seu filho provavelmente não será aceito em uma escola regular, dependendo do grau de comprometimento, e ele pode não aproveitar como deve as preciosas quatro horas de estímulo que ele terá no colégio. É que, para nós, mães mortais, esse valor pesa demais no bolso. Principalmente, por que não é a única despesa que se tem com um filho especial. E, muitas escolas, especialmente as que estão começando com a inclusão, que ainda são inexperientes e inseguras, praticamente condicionam a matrícula do seu filho à contratação de uma mediadora junto.

Mediadora é como seguro saúde. Você paga, mas espera nunca precisar efetivamente dela. O que esses anos de prática e de Luca me ensinaram sobre mediadora? Primeiro, que ela não é babá. Ela não está ali para proteger seu filho, para evitar que ele se meta em confusão, não está ali para carregá-lo, para segurar o lápis para ele, muito menos para ser a amiguinha dele na escola, o amuleto social, já que quem está no espectro autista tem dificuldades nessa área.

A mediadora tem de aparecer o mínimo possível. Quero que o Luca se sinta aluno da professora dele, não da mediadora. Por isso, peço para que ela “finja” que é uma auxiliar da turma, uma segunda professora na classe. Primeiro, porque dessa forma o Luca não vai se sentir diferente dos demais por ter uma professora só para ele. Segundo, porque é bom que ela não esteja o tempo todo disponível. Ele precisa se virar, precisa tentar aprender junto com o restante da sala. Se começar a “voar”, a se distrair com alguma coisa, ou ficar relutante a fazer um ou outro trabalhinho, aí sim, a mediadora entra, fofa, mas firme, para tentar fazer com que ele siga os demais. Ela está ali para, como diz o nome, “mediar” a relação entre ele e a professora, entre ele e o novo espaço físico, entre ele e os coleguinhas...


Seguir os coleguinhas é tudo o que a gente quer que os nosso filhos façam... Por isso, brigamos tanto pela inclusão. O Luca tem 4 anos e meio e esta será nossa primeira experiência em escola regular desde o diagnóstico, de Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) há dois anos. Durante um ano e meio, ele ficou em uma escolinha pequena, que aos poucos se tornou uma escola especial. Ele evoluiu muito, mas agora achamos que ele precisa desse espelho, desse outro coleguinha típico, para que ele possa ganhar novas habilidades, imitando o que a gente chama de “normal”.


Para mim, ser mediadora é um dom. Não é um trabalho, é quase uma missão, como eu vejo em profissões como enfermagem, fisioterapia... Se dedicar a pessoas que fogem do padrão normal não é para todo mundo. A entrevista é fundamental. Você tem de gostar dela (como profissional) e do jeito dela. Serão praticamente irmãs durante um tempo. Ela precisa de ter a liberdade para te falar as coisas que estão indo bem e as que não estão. Você tem de estar aberta a ouvir críticas sobre seu filho, sobre aquilo em que ele ainda não é bom e você vai ter de conversar e discutir com ela estratégias para que ele se desenvolva nesta área.

Sim, você vai discutir estratégias com ela. Depois de um tempo, a gente sente que entende de tudo um pouco: pedagogia, psicologia, fono, medicação, tratamentos alternativos, terapias... às vezes me pego falando de lateralidade, atividades de desenvolvimento da coordenação motora fina, ômega 3, vitamina D, alimentos com e sem glúten, exercícios de fono e tipos de tratamento, como se tivesse feito faculdades de tudo isso. E eu vejo isso em dezenas de outras mães com as quais eu converso. Viramos polvos, com tentáculos em todas as áreas que possam desenvolver os nossos pequenos.

Uma agenda para “conversar” com a sua mediadora é fundamental. Serve para você definir essas tais estratégias e, com base nas anotações dela, conversar com as outras terapeutas do seu “time”. Sim, eu tenho um time. E, se a neurologista é a camisa 10 da sua equipe, aquele jogador que arma as principais jogadas, a mediadora é sua camisa 9, seu “homem-gol”. Ela vai mediar sua relação com a escola, que costuma ser delicada. Primeiro, porque muitas escolas ainda acham que estão te fazendo um favor por aceitar o seu filho. E, segundo, porque, não se engane, o preconceito ainda existe e muitos pais acham a inclusão linda, desde que não seja na sala do filho deles – não são todos, mas esses pais existem. Não adianta também contratar esse centroavante maravilhoso, se ninguém passa a bola para ele. Os profissionais envolvidos precisam se comunicar, trabalhar juntos, com objetivos definidos. Por isso, escolher esse camisa 9 requer um faro que só mesmo nós, mães especiais, temos. Não deu certo? Contrate outra! Afinal, a treinadora é você! Quem escala o time é você!

Um beijo especial, sempre aqui, Na Pracinha.

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Post Na Pracinha (texto 23)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Mães especiais: Enem e inclusão


O mês de dezembro é de festas sim, mas para nós, mães especiais, lembra tormento. É quando a maioria de nós está correndo atrás de escolas, ou melhor, de uma vaga para os filhos para o ano letivo seguinte. É um drama, gente. Minha busca começou há quase 3 meses, no dia 3 de setembro, quando visitei a primeira escola. Atualmente, o Luca (que tem diagnóstico de Transtorno Global do Desenvolviemnto) está numa escolinha pequena que praticamente se tornou uma escola especial. A dona da escola é maravilhosa, de um coração do tamanho do mundo. E aceita crianças especiais de braços abertos. Nada contra escolas especiais. Se acharmos que é a melhor opção para o Luca, que é onde ele vai se desenvolver melhor e com segurança, vamos para lá. Mas achamos que está na hora dele conviver com mais crianças que falam, que sirvam de espelho. Acho mesmo que ele pode dar um salto com essa mudança. Se não der certo, a gente volta para a escola especial. Mas, precisamos tentar para não ficarmos o resto da vida com a pulga atrás da orelha, sem saber como tería sido se tivéssemos tentado....

Não vou citar nomes dos colégios envolvidos para me poupar de bate-bocas desnecessários para os quais não tenho tempo nem paciência. E também para não desanimar outras mães. Nosso papel também é de formiguinha. Temos de sempre acreditar que aquela escola é capaz de incluir e insistir... Vai que um dia cai a ficha e a instituição se toca que não vivemos em um mundo só de pessoas tidas normais e aplica os 10% de vaga para crianças especiais como, aliás, manda a lei.

Vou contar um pouco das pérolas que ouvi pelo caminho. A primeira escola, bem conceituada aqui no Rio de Janeiro, católica, adorou saber que tinha dois filhos nas idades de 4 e 5 anos procurando vaga. Mensalidades de mil reais por mês cada um. No entanto, o semblante da coordenadora pedagógica mudou quando falei que o mais novo tinha diagnóstico de TGD. Expliquei que ele tinha evoluído bastante no último ano, já estava falando, identificava letras, números, cores, formas, tinha desenvolvimento motor normal e, de acordo com os terapeutas, é uma criança absolutamente "incluível", com dificuldade em inteiração social sim, mas com interesse em fazer contato com os coleguinhas.

A partir desse momento, a vaga do mais novo "sumiu", aparentemente já havia crianças incluídas na escola e a coordenadora me deu um conselho - que eu não pedi - para tentar livrar sua cara. Disse: "mãe, porque você não mantém o seu filho na escola que ele está? É melhor pra ele...". Com todo respeito, coordenadora querida. Quem tem de saber isso somos nós, os pais. Ficou de nos ligar em novembro, quando as matrículas começariam. Estou esperando até agora o telefonema. Antes de sair, ela me falou já quase justificando o fato de que não iria ligar mesmo. "Somos uma escola de Enem, mãezinha".

"Escola de Enem". Pensar em Enem na educação infantil, para crianças de 4 anos, sinceramente, é insano! As escolas estão enlouquecendo por causa do Enem.... E deixando de aceitar crianças especiais porque não querem ser vistas como escolas humanas, e sim escolas que exigem e exigem cada vez mais das crianças, como se isso fosse fazer delas mais fortes no futuro. Criança que brinca é mais forte no futuro. Criança que se sente acolhida, feliz, que aprende de forma lúdica, é mais forte no futuro....

Outra escola, construtivista, também ficou de me ligar depois de saber que procurava uma vaga de inclusão e nunca mais me ligou. Outra disse que se a criança não passar no teste cognitivo não é aceita. Eram 160 crianças fazendo "vestibular" para 30 vagas no Maternal III. Nem me dei ao trabalho.....

Fui para a rede pública. Afinal, ela tem duas coisas que a escola particular não tem: vaga (por lei) e experiência com todo tipo de criança e de diagnóstico. As escolas públicas boas, de referência, têm fila de espera na educação infantil. Fui a uma mediana para visitar. Eu e meu marido entramos por volta das 13h30, sem avisar. Queríamos mesmo ver o dia a dia da escola. Não tinha porteiro. O portão estava aberto, entramos e demorou um tempo até que alguém se desse conta de que havia dois estranhos circulando nos corredores. Corredores imensos, parecia abandonada. Tinha uma turma inteira de primeiro ano no corredor, brincando e tocando terror porque aparentemente a professora tinha faltado. A coordenadora pedagógica nos recebeu, foi muito simpática, mas disse de cara: "olha, mãe, vou ser sincera. Temos pouca gente. Não temos estrutura para receber uma criança especial". Crianças a partir de 4 anos têm de ir sozinhas ao banheiro e se limpar com autonomia, porque não tem quem faça. Banheiros imensos, que elas dividem com adolescentes de 15 anos sem nenhum adulto para supervisionar. Saí correndo.

Outra escola particular foi maravilhosa. Fez entrevista com o Luca e o achou super "incluível". Até chorei de felicidade com a bondade da coordenadora. À essa altura, eu já tinha matriculado o Thiago na escola que queríamos já há algum tempo e já estávamos cientes de que teríamos de ter os dois em escolas diferentes. Aí, semanas depois, sabendo que não iríamos colocar os dois nessa escola, a coordenadora que tinha adorado o Luca, praticamente condicionou a vaga dele à matrícula do Thiago. Um amigo meu resumiu bem o que isso é: "venda casada". Tipo: só aceito o seu filho especial só se você matricular o "normal".

Fico imaginando as pessoas que têm menos recursos e informação do que a gente. É desesperador. Entrar na justiça por vaga é uma opção. Mas quem vai querer deixar seu filho em uma escola em que você está processando? Já disse aqui outras vezes e repito. As escolas são espelho da sua sociedade. Que é preconceituosa e acha que conviver com os diferentes é sinal de fraqueza. Muitas escolas não se interessam mais em formar cidadãos. Querem números, resultados e uma boa posição no Enem. Muitos pais também querem isso. Filhos bem-sucedidos, nas melhores faculdades.
Esqueceram de dizer que é possível ter isso e ainda conviver com os diferentes. Uma coisa não exclui a outra.

Um beijo especial
sempre aqui, Na Pracinha!

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Post Na Pracinha (texto 22)


Segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Coloque a máscara de oxigênio primeiro em você!

Acredito que nada é por acaso e que as coisas acontecem para o nosso progresso. E que as dificuldades são chances únicas de crescimento, aprendizado e "quitação de dívidas". Sei que, muito provavelmente, escolhi a missão de ter um filho especial nessa vida antes de reencarnar. E que ele me escolheu, pela história que nos une. Isso me dá alento para seguir com a jornada que é ser mãe especial.

Mas, sou humana, longe, muito longe do grau evolutivo necessário para se aceitar uma missão como essa sem cair várias vezes. É importante dizer isso em voz alta. Porque parece que temos de estar sempre sorrindo, temos obrigação de ser otimistas, segurando a peteca com classe e elegância, num eterno estado de Pollyanna, o que não é nada saudável nem normal. Durante um tempo, eu vivi assim. Precisamente, logo após o diagnóstico de Transtorno Global do Desenvolvimemento (TGD) do Luca, dentro do chamado espectro autístico. De dia, eu tinha de estar bem para trabalhar e memostrar forte para família, colegas de profissão e amigos. De noite, eu tirava a máscara.. O resultado foram madrugadas regadas a choro, sorvete, biscoito recheado, pizza e salgadinhos - único horário do dia em que eu me permitia sentir medo, frustração e tristeza - e... 40 quilos a mais na balança em menos de dois anos.

É muito fácil você se perder depois de receber uma notícia de que seu filho tem síndrome de down, autismo, déficit de atenção, e nem estou falando de outros problemas piores, lesões mais graves, deficiências muitas vezes sem tratamento ou recuperação. Não estou nem falando da dor de se perder um filho. Esse sim, o maior medo de todas nós, mães especiais ou não.

Recentemente, li um post e um blog que eu adoro, o lagartavirapupa.com.br, que pareceu ter sido escrito para mim. Fala sobre um blog dos EUA, o "The oxigen Mask Project", ou "Projeto máscara de oxigênio", e tem como objetivo lembrar aos pais especiais que eles precisam cuidar de si mesmos antes de ajudarem seus filhos. "Com certeza, todos que já andaram de avião ouviram aquela frase que as aeromoças falam quando ele está para decolar: “Passageiros viajando com crianças ou alguém que necessite de ajuda, lembramos que deverão colocar suas máscaras (de oxigênio) primeiro para, em seguida, auxiliá-los“. Parece besteira, mas não é. O princípio disso é que, se você não estiver bem, não pode ajudar a criança. Se você desmaiar porque se apavorou para colocar a máscara na criança primeiro, vocês dois estarão em risco." Essa é frase do blog lagarta vira pupa, que eu copiei na íntegra, porque é perfeita.

Se eu pudesse dar um recado para papais e mamães que vivem essa situação é: coloquem a máscara de oxigênio primeiro em vocês! Mesmo que isso pareça bobabem. Mesmo que isso pareça egoísmo. Não é! Porque se culpar e inconscientemente se boicotar, não vai ajudar em nada. Não é inteligente. Aliás, só vai dificultar mais as coisas. Eu demorei uns dois anos para sair desse estado letárgico de me punir com comida e de coisas que me fazem mal, engolindo sentimentos de frustração junto com milhares de calorias, como se a culpa fosse diminuir. Se eu pudesse ouvir meu inconsciente em voz alta, provavalmente ouviria ele dizer assim: "Coma, querida (ou beba, ou se drogue, ou entre em depressão, tanto faz. No meu caso foi comida). Coma, porque vc é culpada por essa criança ser assim. E, agora, o mínimo que vc tem de fazer para compensar isso, é perder algumas das suas qualidades como alegria, beleza, força de vontade, energia, otimismo, saúde, garra... Coma para diminuir sua ansiedade e continue sorrindo durante o dia para tudo parecer bem."

Eu tinha uma amargura interna, não me divertia, não saía, não ia ao cinema, não fazia nada para mim. Um dia cometi a heresia de descer de noite para tomar uma sauna no condomínio. Voltei em 15 minutos, morrendo de culpa, como se estivesse cometendo um crime.... Não via sequer a evolução do Luca que as pessoas viam; não tinha o otimismo que o meu marido e o meu pai tinham... Era exigente além da conta com ele, impaciente, não respeitava o tempo dele, achava que estimular era trancá-lo no quarto, obrigando o garoto a montar quebra-cabeça, fazer desenhos dentro do contorno e repetir palavras que ele ainda sequer sabia o significado.

Um dia, eu acordei. Aos poucos, comecei a aceitar que ele estava sim evoluindo e que ser diferente não é o fim do mundo, e que é uma missão bonita, e voltei a sorrir com ele e a ser espontânea de verdade e a aceitar seu tempo e rir com o seu jeito e a ficar cada vez menos comendo bobagens e chorando nas madrugadas. Foi quando eu pisei pela primeira vez nessa Pracinha maravilhosa. E comecei a escrever o meu blog. Aí, um dia, me olhei no espelho e não me reconheci. De quem era aquele corpo? Aquele olhar cansado? O estado letárgico havia passado, já estava me sentindo forte e equilibrada, mas aquela imagem no espellho não era eu... Vários quilos já foram embora. E, aos poucos, todos vão, um a um, tenho certeza.

Pais especiais, é permitido ser feliz! Porque eu vi que é importante eu estar bem, para estar bem para o Luca e para o Thiago. Porque não posso me dar ao luxo de, sei lá, de repente, morrer agora de um problema de saúde provocado pela má alimentação e pelo sedentarismo, porque tenho duas almas que precisam de mim. E tenho muito ainda para dar por eles e pela "classe" de mães especiais. Porque ainda tenho projetos, quero estudar, quero fazer cursos, quero ajudar a criar programas que ajudem crianças especiais, quero lutar pela inclusão, quero incomodar, quero ser uma voz, quero deixar minha marca. Quero, antes de tudo, deixar minha marca no Luca. A marca de uma mãe forte, mas não só na aparência, na fachada. Forte o suficiente para cair várias vezes sim, como ainda vou cair quando a frustração e o preconceito me der uma rasteira. Mas, sei que o pulo do gato é levantar em todas elas. Cada vez mais forte e experiente!

Um beijo especial e desejos de um Feliz Natal. Um Natal sempre especial. Sempre aqui, na Pracinha!

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Post Na Pracinha (texto 21)


Segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A gostosa arte de ensinar. E de aprender.



Quando o Luca começou a falar as cores, eu ficava feito uma barata-tonta atrás do pobre do menino perguntando para ele a cor de tudo que aparecia na frente. Ele falava, tudo era uma festa, eu ria, me emocionava, chorava, blá blá blá… De repente, ele parou de responder. E eu entrei em pânico. Será que ele esqueceu? Desaprendeu? E a terapeuta me aclamou, de certa forma. "Passou pela sua cabeça, mãe, que ele não aguenta mais ficar respondendo a perguntas que ele já sabe a resposta, e pior: que ele sabe que você também sabe? Ele deve pensar 'que saco, lá vem aquela chata me perguntar isso pela milésima vez'". Me senti uma idiota. Hoje o Luca fala as cores das coisas quando isso tem relevância. E eu aprendi mais uma lição.

Ultimamente, o número de "clicks" que eu faço do meu caçulinha de 4 anos – diagnosticado com Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) aos 2 – é muito, muito maior agora do que antes. E muito maior do que o número de fotos que eu tiro do Thiago, meu outro príncipe de 5 anos, que é neurotípico, por exemplo.

É que o Luca está começando a fazer coisas que ele não fazia antes: falar, formar frases, responder perguntas, dizer o que quer com vontade e entonação, olhando no olho… Eu tirava milhares de fotos do Thiago quando ele estava nessa fase também.

Agora, o Luca começou a querer participar de peças de teatro, de festinhas, de aulas de capoeira e futebol, de brincar com outras crianças, coisas que ele antes não tinha interesse em fazer. E virei aquela mãe babona, que não quer perder nenhum click. Antes, ele sequer olhava para câmera…. Ele ainda está longe de ser uma criança como as outras de 4 anos. Mas, hoje preferimos e optamos por dizer que o copo está é meio cheio. Não reclamo mais. Perdi um colega de profissão há 10 dias para o câncer. Ele morreu, aos 40 anos, 40 dias depois de ter realizado o sonho de ser pai. Eu e o Daniel somos muito afortunados por podermos acompanhar o desenvolvimento dos nossos pequenos.
Curto e me emocionou com cada avanço do Luca, porque só quem escuta um diagnóstico de autismo ou qualquer outro nome dentro desse quadro, sabe o valor do aprendizado. É que nossos filhos típicos aprendem por osmose, parece. Aprendem só de ver. Quando você assusta, eles já estão falando pelos cotovelos e dizendo palavras e expressões que você não sabe de onde ele tirou. 

Tiro fotos, registro e coloco na internet para que a família – que vive espalhada em estados como Minas, São Paulo e Porto Alegre – e amigos do coração (aqueles que torcem mesmo e que se importam com a gente), possam ver como o Luca está evoluindo ao seu tempo. E que possam acompanhar seus passos.

Faço isso também para mostrar para as mais de 300 mães especiais que tenho como amigas, e outras tantas que queiram ler, que é permitido ter esperança. Porque houve um tempo em que eu não sonhava. Eu vivia sufocada no pesadelo de achar que não havia saída. A vitória do Luca, mesmo que pareça pequena para muita gente, pode ser o início da vitória de outra criança. Como foi no início da nossa caminhada. Histórias como as que eu posto agora me levavam às lágrimas na frente do computador quando eu não tinha esperança de nada. Palavras de outras mães, e não de médicos, é que me tiraram do chão.

Posto 49394 fotos e vídeos como se eu quisesse e precisasse acreditar que isso está acontecendo, que o Luca está evoluindo. Porque houve um tempo – e acredito que muitas mães especiais passam por isso, logo após o diagnóstico, principalmente –, que eu achei que ele nunca falaria, nem me daria um beijo. Houve um tempo em que ele parou de falar "papai e mamãe" e ficou assim por mais de um ano. Foram tempos muito difíceis. Ele não me olhava nos olhos, não respondia ao ser chamado e não se importava se eu estava perto ou longe.

Por isso, me desculpem se sou piegas e posto milhares fotos e vídeos do Luca dizendo o que parece óbvio para muita gente e normal para uma criança de 4 anos. É que me falaram que, talvez, isso nunca fosse acontecer.

Por isso, eu celebro muito as pequenas coisas. Porque sei que houve um tempo em que elas não existiam e eu rezava, rezava muito, implorava para que elas acontecessem. Me lembro de chamar o nome dele e pedir em silêncio. "Por favor, Luquinha, olha par mim, me mostra que você está nesse mundo, que esse negócio de autismo é mentira, olha, por favor, olha".

Me policio para celebrar as conquistas do Thiago também. Na mesma intensidade e com o mesmo entusiasmo. Na verdade, isso virou algo normal para nós aqui em casa. Porque, de certa forma, conviver com o Luca nos fez dar um valor enorme ao milagre que é a vida. E como é gostosa a arte de ensinar e aprender com os nossos filhos, sendo eles típicos ou não.

Um beijo especial, sempre aqui, Na Pracinha!