segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Reportagem: Autismo não é retardo mental

"Um indivíduo reservado, agressivo e que não se relaciona com seus pares. É
assim que muitos, ao serem questionados, caracterizariam uma criança
autista. De acordo com o neurologista infantil Hélio van der Linden Júnior,
muitos pontos sobre o transtorno precisam ser esclarecidos perante a
sociedade, para que não haja preconceito com os portadores.
"Autismo não é sinônimo de retardo mental. Muitos p
acientes com espectro autista têm inteligência e desempenho cognitivo
normal, alguns até acima da média", explica o especialista, que coordenou
uma mesa de discussão sobre o tema durante o 25º Congresso Brasileiro de
Neurologia, que aconteceu em Goiânia no início do mês.
Em entrevista ao Escola, o neurologista conceituou o chamado espectro
autista, seus sintomas, causas e tratamento. Ele falou sobre a importância
da escola no diagnóstico e acompanhamento da doença, além das consequências
do Autismo para a vida educacional do indivíduo.
Van der Linden argumentou sobre as chamadas escolas especiais, que em sua
opinião são fundamentais em diversas situações. "Existem casos em que só
essas escolas podem oferecer, de maneira adequada, a atenção especializada
e recursos terapêuticos adaptados à situação daquela criança", esclarece.


Quais são os principais sintomas do Autismo e como diferenciá-lo de outros
distúrbios psicológicos? Quando é possível fazer o diagnóstico?
Os sintomas do Autismo consistem numa tríade caracterizada por atraso do
desenvolvimento da linguagem, problemas de socialização e interação e
alterações do comportamento. Os sintomas relacionados à interação social
são tendência a isolamento, dificuldade de interagir com os outros e manter
a atenção em determinada atividade, ou, ao contrário, manter interesse ou
foco excessivo em uma única ação que não despertaria interesse em crianças
da mesma idade. As alterações comportamentais mais comuns são os movimentos
alternados do corpo, chamados estereotipias, como agitar os braços ou o
corpo repetidamente, correr em círculos, etc, além de outros sinais
frequentes, como andar na ponta dos pés e apresentar sensibilidade auditiva
exagerada. Geralmente o diagnóstico, eminentemente clínico, é realizado
após os dois anos de vida, pois nesta fase os sintomas se tornam evidentes
e chamam atenção dos pais. Casos sutis são diagnosticados mais tardiamente.

A síndrome de Asperger é uma espécie de Autismo? Quais suas diferenças?
A síndrome de Asperger é uma forma mais leve de Autismo, mas que também
compromete as habilidades de interação social e comunicação, embora a fala
seja relativamente preservada. Estes pacientes podem apresentar um
comportamento rotineiro. Possivelmente existem muitos casos não
diagnosticados na população. Muitos são considerados antissociais,
isolados, esquisitos, solitários, mas tendem a ser produtivos em suas
profissões. Especula-se que gênios das ciências e, atualmente, da
informática, preencham critérios para a síndrome de Asperger.

Quais seriam as causas do Autismo? É uma doença genética?
De tudo o que se descobriu a respeito do Autismo, sabe-se que existe, de
fato, uma influência genética importante. Outro fator que tem sido
extensamente investigado é o ambiente. Existem estudos que apontam uma
possível associação da doença ao uso de substâncias tóxicas durante a
gravidez. Então, acredita-se que haja uma predisposição genética e que deve
existir algum fator ambiental que favoreça o desenvolvimento do Autismo.

Em que consiste o tratamento? É medicamentoso ou de acompanhamento
psicológico?
O tratamento do Autismo depende da intensidade e gravidade de cada caso.
Não há receita de bolo. Os casos leves e até moderados respondem bem às
terapias de intervenção comportamental. Já os mais graves, com sintomas
como agressividade, agitação psicomotora e ansiedade, podem se beneficiar
do uso de medicação. O tratamento medicamentoso visa controlar alguns
sintomas, e não tratar o Autismo propriamente dito. Existem ainda técnicas
comportamentais como o ABA, Floor Time, TEACH e várias outras.

Quais as consequências do Autismo na vida educacional da criança?
Autismo não é sinônimo de retardo mental. Muitos pacientes com espectro
autista têm inteligência e desempenho cognitivo normal, alguns até acima da
média. Porém, as alterações comportamentais e de socialização costumam
trazer dificuldades nos primeiros anos da vida escolar, o que pode atrasar
o processo de alfabetização da criança. O retardo do desenvolvimento da
linguagem também é outro fator que pode atrapalhar o desempenho cognitivo.
Por isso, é fundamental o acompanhamento da escola no tratamento.

Como o senhor avalia hoje a situação das instituições de ensino para
receber essas crianças? Elas estão preparadas?
Felizmente a situação das escolas convencionais tem melhorado com o tempo.
Existem várias instituições que recebem a criança de maneira adequada.
Muitas até investem na capacitação profissional do professor, no intuito de
favorecer ao máximo a estimulação dos alunos. Porém, infelizmente, ainda
existem escolas que sequer aceitam a matrícula de crianças que demandam uma
atenção mais individualizada.

É possível dizer que os autistas matriculados em instituições regulares de
ensino hoje estão bem assistidos?
Depende da instituição, do envolvimento dos educadores, do grau de
comprometimento da criança e como ela se adapta à escola. O importante é
que a criança participe, que seja inserida no contexto escolar e interaja
de maneira produtiva. Porém, sabemos que algumas não se adaptam ao regime
escolar tradicional, seja porque apresentam sintomas graves ou porque
sofrem com a discriminação e isolamento social. Nestes casos, a insistência
de manutenção da criança numa instituição regular pode ser pior.

E o professor? Como deve ser a preparação dele para que esteja apto a
educar esse aluno? A rede pública fornece essa adaptação?
O professor tem papel fundamental em dois aspectos. Muitas vezes é o
professor que levanta a bandeira vermelha, o sinal de alerta sobre o
comportamento da criança em sala de aula. Esta observação mais aguçada pode
levar ao encaminhamento e diagnóstico precoce. Entretanto, na rede pública,
as crianças são introduzidas aos seis anos, e a maioria já conta com
diagnóstico nesta idade. Outro ponto importante é no tratamento. É um erro
achar que apenas matricular a criança na escola facilita o tratamento. A
instituição tem de estar engajada, ser parceira no tratamento, de
preferência com treinamento e capacitação dos professores para atuar com
essas crianças.

O ideal seria que um professor auxiliar ficasse responsável exclusivamente
por aquela e outras crianças especiais da sala? Quais as consequências
pedagógicas para a criança quando isso não acontece?
Nem sempre é necessária a presença de um professor ou assistente pedagógico
para uma criança que necessita de atenção especial. Isso vai depender da
capacidade do professor, da quantidade de alunos e, claro, do quadro
clínico da criança. Em casos mais leves, por exemplo, é possível que a
criança “se acomode” com a presença de uma pessoa exclusiva e não tenha
interesse em participar da socialização e atividades em grupo.
Portanto, cada caso deve ser analisado individualmente e com acompanhamento
de um profissional. Tem também a questão dos colegas de classe, que possuem
um outro ritmo e, por vezes, podem se sentir irritados com o “coleguinha
especial”.

É possível fazer com que a sala ande em um só ritmo? Como?
Na imensa maioria dos casos com crianças pequenas, a aceitação do
coleguinha “diferente” costuma ser natural e positiva. Em crianças maiores,
pode haver algumas situações de conflito e até bullyling. Quanto ao
desempenho acadêmico, mais uma vez tudo vai depender da gravidade do caso.

Esses mesmos coleguinhas de sala podem aprender com a convivência com um
autista? O que pode ser aproveitado pelo educador nas relações sociais em
sala?
Sim, aceitar as diferenças, entender as dificuldades e até participar no
processo de apoio a crianças com necessidades especiais pode ser altamente
favorável ao desenvolvimento cognitivo e psicológico dos alunos de uma
maneira geral.
Um portador de Autismo precisa de requisitos mínimos na sua educação, como
número reduzido de alunos em sala, equipe multidisciplinar que o acompanhe
e até mesmo uma grade curricular diferenciada. As escolas tradicionais nem
sempre podem reproduzir isso, mas possibilitam o convívio com outras
crianças.

O que o senhor acha das escolas especiais voltadas somente para crianças
autistas ou com outras deficiências?
Nem sempre é necessária uma grade curricular diferenciada, o que existe são
adaptações que podem ser realizadas pela escola para facilitar ou estimular
de forma mais proveitosa a capacidade da criança. As escolas especiais,
atualmente desestimuladas pelo nosso sistema de ensino e saúde, são muito
importantes. Existem casos de várias enfermidades, não apenas Autismo, onde
a introdução na rede é impossível, pois é necessária a presença contínua de
outra pessoa para cuidar da criança, seja do ponto de vista comportamental
ou motor. Situações como auto e heteroagressividade
, agitação psicomotora,
estereotipias intensas, gritos, etc., dificultam a adaptação de algumas
crianças no ensino regular.

Como a internet e outras tecnologias podem auxiliar no aprendizado de uma
criança autista?
De fato, crianças com espectro autista têm verdadeiro fascínio por jogos
eletrônicos, computador, tablets, etc. Como muitas ficam calmas e atentas
com tais ferramentas, elas podem ser expostas em demasia a tais situações,
o que é arriscado. Mas é possível aproveitar esse interesse de forma
positiva. Atualmente, existem softwares e jogos que incentivam a criança a
interagir e gerar respostas às solicitações da atividade. Cabe aqui uma
dica para os pais. Com a correria do dia a dia, o tempo de atenção para a
criança fica restrito a poucos minutos e é muito comum o uso de
dispositivos eletrônicos para o seu entretenimento. Gostaria de ressaltar a
importância do brincar, do contato, e da relação de afeto com a criança,
como forma de estímulo às suas habilidades motoras e psicossociais."

Quem é e o que fez?

Hélio van der Linden Júnior é graduado em Medicina pela Universidade
Estadual de Pernambuco (UPE) e possui especialização em neurologia infantil
e neurofisiologia pela Universidade de São Paulo (USP). Com trabalhos
publicados sobre “Doenças Neurogenéticas”, atua como neurologista infantil
no Instituto de Neurologia de Goiânia e no Centro de Reabilitação Dr.
Henrique Santillo (Crer), onde também atua como neurofisiologista.

fonte : http://tribunadoplanalto.com.br/index.php?option=com_conten
t&view=article&id=14934%3Aautismo-nao-e-sinonimo-de-
retardo-mental&catid=96%3Aentrevista

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