domingo, 26 de agosto de 2012

Atraso na linguagem por imaturidade neurológica

Luíza José Nunes de Faria
Necessidade de mais afeto, dedicação e vigilância
Bubuia passou da hora de nascer e sofreu privação de oxigênio. Foi extraída a fórceps, estando toda enlaçada no cordão umbilical. Pinduca nasceu com síndrome de Down e Guigo, com fator RH positivo sendo a mãe RH negativo.
 
O que há de comum entre as três crianças é um atraso de linguagem por imaturidade neurológica, que em geral não é um sintoma isolado, mas associado ao atraso do desenvolvimento geral.
Sabe-se que existe estreito paralelismo entre o desenvolvimento das funções motoras com o desenvolvimento da linguagem. Durante a primeira infância, funções motoras e de aprendizado estão interligadas, confundidas, desde o ato motor até a representação mental.
 
Se tomarmos o exemplo do recém-nascido deitado de barriga para cima entendemos que seu campo de visão é vertical entre os olhos e o teto. Movimenta braços e pernas, quando se inquieta, chora se tem fome, se a fralda incomoda, ou assusta-se com o menor ruído. Em pouco tempo habitua-se com os barulhos ambientais, tem movimentos mais precisos, choro mais significativo, e alguns sons identificados. Quando menos se espera, já saiu do lugar e até virou de bruços, sorriu e procura a mãe quando ouve sua voz.
 
Nota-se que movimento e conhecimento estão caminhando juntos, desenvolvendo experiências que levam também ao desenvolvimento da linguagem.
 
Por volta dos três meses, sustentando a cabeça, vai descobrindo um mundo maior, já que agora, além do teto que está acima, pode identificar diferenças quando olha para baixo e para os lados. Novos movimentos vão proporcionando novas experiências, aguçando a compreensão e a necessidade de se fazer entender. E assim vai progredindo, engatinhando, ficando de pé, andando, ensaiando as primeiras palavras, primeiras frases... Uma ação levando a outra e, assim, se desenvolvendo. Partindo-se da evidência de um comprometimento identificado por ocasião do nascimento, entende-se que, a partir da primeira etapa, as demais estarão prejudicadas em menor ou maior extensão.
 
Toda família que aguarda a chegada de um bebê sonha com uma criança linda e saudável. Constitui grande choque após o nascimento a notícia de que talvez seu bebê venha a precisar de cuidados especiais. Entende-se que crianças dão trabalho, mas elas crescem e as preocupações se modificam a cada etapa do desenvolvimento. Porém crianças especiais custam muito a passar de uma fase para outra, e em casos mais graves continuam crianças mesmo na idade adulta.
 
Em momentos como esses, médicos, assistentes sociais e psicólogos usam de grande dose de habilidade profissional e sensibilidade humana para lidar com o impacto sofrido pela família, para explicar a situação e fazer o encaminhamento para o tratamento de estimulação essencial (mais conhecido como estimulação precoce), cujo principal objetivo é detectar, por menor que seja, o potencial da criança e estimular durante a primeira infância, que vai até os três anos e onze meses, passo a passo, cada etapa do seu movimento, facilitando-lhe as experiências, para aproximá-la o mais possível do desenvolvimento padrão. A estimulação essencial é realizada em trabalho conjunto de fisioterapeuta, fonoaudiólogo,psicomotricista, nutricionista, terapeuta ocupacional, entre outros, sempre interagindo com a criança e a família. No que diz respeito à linguagem, os procedimentos consistem em estimular percepção, memória e discriminação visual e auditiva.
 
Facilitação de experiências perceptuais que tendem a estimular o comportamento verbo-motor e as sensações táteis, gustativas, olfativas e linguagem corporal. Facilitação das funções de deglutição, sucção, mordedura, mastigação e de toda a motricidade oral-facial. Muitas atividades podem ser recomendadas aos pais, como manter uma ativa esfera comunicativa durante o maior tempo possível do dia, com adultos e crianças próximo da criança, aumentar as possibilidades de fala quando a criança estiver experimentando sensações agradáveis, como nas brincadeiras, banho e alimentação. Criar situações de encorajamento vocal e compensá-las.
 
Facilitar a percepção dos sons da fala e respostas motoras, criando pontos de localização de sons e chamando-a pelo nome. Estimular o balbucio, a repetição de sons e palavras, conversando, cantando e ou ouvindo músicas infantis. Ampliar e enriquecer as esferas social e perceptual da criança pela exposição diária a pessoas que lhe falem fora de casa, carros, ônibus, lojas, parques, praias e animais, recompensando sempre todos os esforços de perceber e produzir fala. Nomear em voz alta objetos, pessoas e lugares no campo visual da criança, assim como partes do seu corpo. Descrever seus brinquedos, seus atos em voz alta e frases simples enquanto se movimenta para tocar ou fazer coisas.
Toda criança precisa de afeto, dedicação, vigilância e compreensão da família, porém a criança especial precisa de tudo isso elevado à décima potência, não só da família como dos profissionais que atuam no seu desenvolvimento. Família e profissionais precisam de muita coragem, habilidade, entrosamento e confiança mútua.
 
E por falar nisso... Pinduca tem 18 anos, está terminando a quarta série do primeiro grau. Seus pais estão muito orgulhosos e sabem que ficarão muito emocionados na formatura, que será no fim do ano.
 
Guigo está com 22. Mal consegue identificar e copiar o próprio nome, mas ajuda muito sua mãe, limpando o quintal, nas compras de supermercados, tratando dos animais domésticos, e de vez em quando ajudando o pai em pequenos consertos da casa. É bem aceito pelos familiares e vizinhos, e não perde uma partidinha de bola com ao garotos da rua. Bubuia, durante os 34 anos que viveu, não passou dos dois anos de idade mental, mas proporcionava muitas alegrias aos seus familiares cada vez que batia palminhas ao som do parabéns numa festinha infantil, que abria os braços para receber quem chegava, que dava adeus e jogava beijinhos para os que saíam. Cada vez que levava o alimento até a boca sem deixar cair, ou quando tentava vestir o short pela cabeça, ou quando calçava as sandálias mesmo com os pés trocados.
 
Os três fizeram estimulação essencial, depois continuaram o tratamento em reabilitação. Amados e aceitos pela família, reconhecidos pela sociedade como devem ser todas as pessoas com necessidades especiais. Sabemos que uma pequena minoria está conquistando seu espaço, e o Para Pan é prova disso. Há uma expressão que atualmente está sendo muito usada, e acredito que se encaixa bem para os grandes seres humanos que enfrentam tamanha situação: receberam um limão, mas com grande bravura fizeram uma limonada.
 
(A autora é fonoaudióloga, militante da filial de São João de Meriti, RJ)
Fonte: http://www.arazao.net/atraso-na-linguagem.html

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