quinta-feira, 16 de junho de 2011

Autismo por Temple Grandin


“A realidade para um autista é uma confusa gama de eventos, pessoas, lugares, sons, visões. Não parece haver limites claros, ordem e significado em nada. Grande parte da minha vida é gasta tentando estabelecer rotinas, tempos, rotas particulares e rituais que me ajudam a pôr ordem em uma insuportável vida caótica. Mesmo, às vezes, quando quero participar de algo, meu cérebro simplesmente não me diz como eu deveria agir, e ao contrário do que muitos pensam, é possível para um autista se sentir sozinho e amar alguém.
Se pessoas normais se encontrassem em um planeta com criaturas alienígenas, provavelmente se sentiriam amedrontadas, não saberiam como se comportar e certamente teriam dificuldade de saber o que os alienígenas estavam pensando, sentindo e querendo, e como responder corretamente a estas coisas. É assim que é o autismo. Por isso, tento manter tudo do mesmo jeito, reduz um pouco do terrível medo.

Mesmo quando as coisas não são diretamente aterrorizantes, eu tendo a temer que algo ruim vai acontecer, porque eu não consigo entender o sentido do que eu vejo. A vida social é difícil, porque não parece seguir um padrão. Quando eu começo a pensar que eu comecei a entender uma idéia, de repente essa idéia parece não seguir o mesmo padrão, caso as circunstâncias mudem um pouco.

Parece haver tanto a aprender. Autistas ficam muito brabos, porque a frustração de não serem capazes de entender o mundo apropriadamente é terrível. Aí as pessoas ficam surpresas porque eu fico braba. Foi só há algum tempo atrás, que eu percebi que as pessoas pudessem estar realmente falando comigo, então desde aí eu descobri que também era uma pessoa. E eu era uma pessoa, no mínimo diferente delas.

Quando era bem jovem, eu nunca percebi como eu poderia me relacionar com outras pessoas porque eu não era capaz de diferenciar pessoas de objetos. Então, quando percebi que as pessoas deveriam ser mais importantes que objetos, eu me tornei um pouco mais consciente, as coisas começaram a aparecer sob uma nova e ainda difícil luz”. (Therese Joliffe)
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Autismo é uma inadequação no desenvolvimento, que se manifesta de maneira grave por toda vida. Aparece tipicamente nos 3 primeiros anos de vida. É mais comum em meninos que em meninas. Acomete cerca de 20 a cada 10.000 recém nascidos. É encontrada em famílias de qualquer configuração social, étnica ou racial.
Definição da ASA, Autism society of America.

O autismo faz parte hoje, na literatura internacional da terminologia “transtornos invasivos do desenvolvimento”, que incluem quadros com desordens cognitivas, comportamentais, comunicativas ou de linguagem, e ainda quadros com manifestações psicóticas.

O autismo e os transtornos afins são conceitualizadoscomo síndromes comportamentais biologicamente determinadas e com etiologias variadas. Hoje sabe-se que nada tem a ver com antigas definições de problemas relacionais, onde chegavam-se a chamar as mães de autistas, de mães geladeira. As causas são orgânicas. As dificuldades principais estão nas áreas de cognição, linguagem, motora e social.
No caso dos transtornos invasivos do desenvolvimento, o quanto o diagnóstico for feito o mais precocemente, melhor o prognóstico. E muitas vezes melhoram esse prognóstico, se a criança, desde 2/3 anos, é colocada num programa educacional altamente estruturado. A educação especial é uma das prioridades no tratamento. O objetivo é desenvolver todas as possibilidades dentro das limitações.

Algumas características e sintomas para o reconhecimento da síndrome do autismo:
Desajustes na interação social
Indiferença diante de outros. Dificuldades com expressões não verbais tipo: olhar olho no olho, gesticulação, expressão facial; expressão de sentimentos, reciprocidade social ou afetiva. Incapacidade ou pouca capacidade para prever eventos ou comportamento de outros.

Desajustes na comunicação
Retardo ou não aquisição da fala. Dificuldade de diálogo, independente da dificuldade da linguagem. Uso de linguagem estereotipada ou peculiar (ecolalia e outras). Falta de imaginação espontânea ou imitação de comportamentos sociais.
Desajustes de comportamento
Compulsão por rituais ou rotinas não funcionais. Maneirismos motores. Pouca ou nenhuma noção de perigo. Comportamento mecânico. Distúrbios na alimentação (ausência de mastigação, predileções estranhas ou ingestão acentuada de líquidos). Oscilações de humor. Ocorrência de convulsões. Agressividade ou auto-agressividade.
Desajustes na motricidade, na orientação espacial e funções autônomas
Hipo ou hiperatividade. Moderada ou leve defasagem na coordenação de movimentos. Sono irregular.
Desajustes cognitivos
Reações de hiper ou hipo sensibilidade à estímulos sonoros, visuais, táteis, olfativas, gustativos ou térmicos. Pouca ou nenhuma capacidade de simbolizar.

Uma grande parte de autistas é portadora também de deficiência mental que varia de grau, leve a moderado e profundo.
Há também os autistas de alto funcionamento, aqueles que possuem habilidades especiais voltadas para a arte ou a música ou matemática ou orientação espacial...

Pessoas com transtornos invasivos do comportamento tem um estilo cognitivo próprio. Ouvem, sentem , vêem mas o seu cérebro processa informações de um modo diferente.

É necessário adicionar significado ao comportamento social para elas possam entendê-lo. A habilidade para compreender os comportamentos sociais está inserida em nosso cérebro, e a maioria das pessoas com deficiência tem sua intuição social relativamente intacta. Crianças autistas podem não ter o talento de ir além da informação pura. Nascemos biologicamente programados para adicionar um significado nas percepções com um mínimo de estimulação. Graças a isso, entendemos a comunicação entre as pessoas, o comportamento humano e nos adequamos de maneira socialmente aceitável. Esta capacidade não está totalmente ausente no autista, mas está desorganizada.

Se uma criança chora, de certa forma ela está comunicando uma emoção, mas não é o mesmo de comunicar o que a está chateando. Ela precisa de ajuda para sair deste comportamento pré comunicativo para uma real comunicação.
Uma criança não pode se comunicar com palavras, não significa que ela não queira, significa apenas que as palavras estão sendo muito difíceis. Deve-se tentar outros meios de comunicação. Uma criança não pode desejar o que ela ainda não entende.

Até mesmo para aquelas que adquiriram a linguagem são difíceis regras sociais como conversar, sobre o que, quanto tempo falar sobre algo que lhe interessa.
A grande dificuldade é entender o mundo no seu sentido literal, onde cada coisa pode significar tantas coisas.
O mundo é cheio de incertezas. vivemos indecisões, angústias, ansiedades. Usamos a organização do tempo para nos estruturarmos, criando prioridades, metas e previsões para hoje, amanhã, depois.

Para um autista, que vive de certa forma em estado de ansiedade, pois não tem a capacidade de prever eventos é fundamental que possamos dar a eles um ambiente organizado, o mais previsível possível, para que possa se desenvolver.
Definir espaços, instituir rotinas, instituir tarefas com início, meio e fim são fundamentais para a diminuição da ansiedade, do medo, e o desenvolvimento da concentração, motivação e aprendizagem. Importante que o autista saiba o lugar de seu prato, de sua colher, de seu uniforme da escola, de seu CD favorito...

Temos que tornar compreensível o tempo, concreta a ordem e a duração dos eventos, usando relógios ou temporizadores visuais. Assim muitas vezes estaremos evitando uma crise. Se por exemplo vamos levá-lo para passear é importante ser informado antes. Uma boa dica é que essa informação seja dada através de cartão, com a foto, ou o símbolo do local que vai. Como eles tem o pensamento visual, fica mais fácil a compreensão. A linguagem deve ser também usada, mais palavras simples e objetivas. A duração do passeio pode ser indicada por sinal de relógio (despertador) ou um evento que marque a volta para casa, um lanche por exemplo. O meio de transporte pode ser também indicado e devemos evitar ambientes com muitos estímulos, a não ser que esteja sendo trabalhado neste sentido.

É lógico que não vamos conseguir colocar nossos autistas numa redoma e manter previsível o tempo todo o seu ambiente. Mas o quanto mais estruturarmos o que está a sua volta mas ele conseguirá suportar suas variações sem maiores problemas.
A escola neste contexto é de fundamental importância para o desenvolvimento das habilidades comunicativas, sociais, de vida diária, cuidados com a higiene que devem estar inseridos num programa de aprendizagem.
 
Uma vez o diagnóstico feito, temos que ter em mente que nenhum autista, apesar de algumas disfunções comuns, é igual a outro autista. Somos seres humanos diferentes, com nossos potenciais e limitações. Portanto há sempre um trabalho a ser feito. Há sempre algo a ser alcançado dentro de qualquer limitação.

“Não quero que meus pensamentos morram comigo. Quero ter realizado algo. Não me interesso pelo poder ou pilhas de dinheiro. Quero deixar algo. Quero dar uma contribuição positiva. Saber que minha vida tem um sentido. Exatamente agora, estou falando de coisas que estão no âmago de minha existência”.
Temple Grandin - Autista
PHD em ciência animal e professora na Colorado State University
Em um trecho do livro “Um antropólogo em Marte” de Oliver Sacks

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